quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A Revolução dos Bichos



de George Orwell

            Sinopse: Cansados da exploração a que são submetidos pelos humanos, os animais da Granja do Solar rebelam-se contra seus donos e tomam posse da fazenda, com o objetivo de instituir um sistema cooperativo e igualitário, sob o slogan “Quatro pernas bom, duas pernas ruim”. Mas não demora muito para que alguns bichos voltem a usufruir de privilégios, restituindo aos poucos um regime de opressão, agora inspirado no lema “Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que os outros”.

            Eis aqui um livro que há anos quero ler, e me admira ter demorado tanto para fazê-lo. Lembro-me bem de ter visto um filme quando criança, com porcos que comandavam uma fazenda e oprimiam os demais animais, mas minhas recordações terminam aí. Não me lembro de passagens específicas da trama ou seu final. Era muito pequeno na época, afinal. Então leio o livro, e não é surpresa nenhuma afirmar que este conto de fadas (como se afirma no próprio livro) tem uma leitura simples e uma trama atual e poderosa sobre política e sociedade.
            Sei que este livro foi escrito durante a Segunda Guerra Mundial, e tinha como finalidade satirizar a ditadura stalinista, porém, faz-se necessário notar que o modelo de governo à qual a Granja dos Bichos é submetida se assemelha bastante com... bem, praticamente qualquer governo, na verdade. Tudo começa muito bem, até alguém decidir tomar o poder para si e oprimir os mais pobres, bem aos moldes de tantas ditaduras e governos por aí. Ou o fato de animais mais velhos perderem seu direito à aposentadoria não te lembra nada de nossa situação política atual? O mundo é mundo e a política é política desde sempre, e essa característica, o ciclo do qual o ser humano nunca sai, torna a obra tão atual.
             De leitura simples e até descontraída, rápida, o livro nos apresenta a várias personagens interessantes e cativantes, bem como vilões odiosos. Aqui, vale destacar a piada pronta: os porcos são os políticos que comandam a Granja dos Bichos com cascos de ferro, enquanto os cães são sua polícia pessoal. Orwell não poupou esforços imaginativos na hora de conceber esta história, percebe-se. Os animais, em sua ignorância, são submetidos a uma árdua jornada de trabalho com pouco alimento no estômago, enquanto os porcos vivem na opulência.
            É este retrato tão fiel e tão atual que faz com que o livro incomode, ainda que seja uma leitura prazerosa. Ao mesmo tempo, algumas passagens mais tristes são absolutamente angustiantes. Qualquer leitor consegue perceber facilmente exatamente como e em quais momentos os animais estão sendo manipulados, como eles sofrem e como trabalham ainda mais arduamente por líderes que nada fazem além de roubar o esforço de seu trabalho. E então, naturalmente, surge o exercício de comparar com nossa realidade e ver que nós somos os bichos.
            Destaco também a dualidade criada pelo autor em sua própria escrita: enquanto a narração dos fatos beira o simplório, as falas dos porcos são extremamente elaboradas, um linguajar rico e diversificado, usado para manipular os demais bichos – que falam de forma mais simples, porém, sem nenhum erro. Gostei muito deste detalhe, pois me passou a impressão de que os porcos estão tentando ser mais inteligentes que os próprios humanos a quem tanto copiam, e reforça ainda mais o aspecto de “realidade” do livro, como a linguagem e a mídia (representada pelo porco Garganta) manipulam a opinião pública a favor dessa ou daquela figura pública.
            A edição brasileira mais atual foi lançada pela Companhia das Letras, e conta com posfácio de Christopher Hitchens e dois apêndices escritos pelo próprio autor – materiais que certamente valem a pena, pode anotar. A tradução ficou a cargo de Heitor Aquino Ferreira, e ficou excelente, bem como a revisão. A capa é colorida e bonita, com grandes letras e um leitão; enquanto o material interno não poderia ser dos melhores: as folhas, incluindo algumas mais rebuscadas, são de qualidade tal que muitas vezes pensei estar virando duas delas ao mesmo tempo!
            Para finalizar, vale apenas reforçar o quanto o livro é, de fato, bom. Merece não apenas ser lido, mas relido várias vezes. De preferência com um livro de História ao lado, para se entender as muitas referências (por vezes um pouco obscuras) inseridas pelo autor. Também vale o exercício de se imaginar no lugar de um daqueles bichos oprimidos apenas para perceber que você já é um deles. Independente de partidos ou lados políticos, apenas como um fato de que, entra governo, sai governo, vivemos na Granja dos Bichos. E, de quebra, você se diverte com um livro único.



Editora: Companhia das Letras
Ano de Lançamento: 2007
Páginas:  152

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