Há
muito tempo venho querendo escrever um texto sobre o tema. Sou muito fã de Frankenstein, ou o Prometeu Moderno, e
sempre me incomodou muito que a história nunca tenha sido retratada como se deve
no cinema. Entre as diversas mudanças (como Victor Frankenstein ser velho,
morar em um castelo no alto de uma colina e ter um servo chamado Igor, por
exemplo), a que sempre me incomodou mais foram as formas dadas à Criatura,
tanto sua aparência física quanto sua personalidade.
Leia minha resenha sobre a obra: Frankenstein, ou o Prometeu Moderno
Principalmente graças à famosíssima interpretação de Boris Karloff, existe uma concepção errada sobre a aparência e costumes do Monstro e, ao ler a versão original da Criatura na obra de Mary Shelley, descobre-se o quão diferente a criação de Victor é. Primeiro, vamos ver como é o Monstro no livro a partir de alguns trechos:
“Sua pele amarelada mal cobria o
entrelaçamento dos músculos e das artérias; os cabelos eram de um negro
lustroso e liso; os dentes, de perlada brancura; mas essas exuberâncias apenas
serviam para formar um contraste mais medonho com seu rosto enrugado, seus
lábios retilíneos e negros e seus olhos aguados, que pareciam quase da mesma
cor que as órbitas de um branco pardacento em que se encaixavam.”
“(...) vi de repente a figura de um homem, a certa
distância, a caminhar na minha direção com velocidade sobre-humana. Saltava
sobre as fendas de gelo, entre as quais eu caminhara com cautela; também a sua
estatura, ao se aproximar, parecia ultrapassar a do homem.”
“Enquanto aperfeiçoava minha fala,
também aprendia a ciência das letras.”
“Além disso, era dotado de uma
figura medonhamente deformada e asquerosa; não tinha sequer a mesma natureza
que o homem. Era mais ágil do que eles e podia subsistir com uma dieta mais
rudimentar; suportava o calor e o frio extremos sem maiores danos ao meu corpo;
minha estatura excedia a deles.”
“Certa noite, durante minha
costumeira visita ao bosque da vizinhança onde obtinha comida e trazia lenha
para meus protetores, encontrei no chão uma mala de couro com diversas peças de
roupa e alguns livros. (...) A posse desses tesouros encheu-me de alegria;
passei a estudar e exercitar a minha mente com aquelas história, enquanto meus
amigos se dedicavam a suas ocupações cotidianas.”
“Depois de algumas semanas, minha
ferida (um ferimento à bala) sarou, e segui viagem.”
Como
se pode ver, a criatura tinha uma pele amarelada, doentia; olhos brancos e
opacos, como os de um homem morto; cabelos negros lisos; seu corpo era maior,
mais forte, resistente e rápido que o de um ser humano normal, além de possuir
um poder de cura maior. Nota-se também sua inteligência e apreço pela
literatura: além de aprender a falar e ler sozinho, era apreciador de boa
leitura. Em nada se assemelha à sua versão mais famosa, como veremos a seguir.
Ilustração inspirada na Criatura de Shelley
A
versão interpretada por Boris Karloff não se parece em nada com a original,
trazendo aspectos físicos e psicológicos bem distintos: a pele do Monstro era
esverdeada; sua cabeça era quadrada e chata; possuía enormes parafusos em seu
pescoço e seu andar era lento e duro, com braços estendidos para agarrar
qualquer ser vivo desavisado. A Criatura sequer falava e não parecia provida de
inteligência, tornando-se nada mais que um monstro bruto e irracional. Em
comum, apenas a estatura avantajada e sua força e resistência sobre-humanas.
A versão de Boris Karloff
Apesar
de ser tão diferente, essa foi a aparência que, infelizmente, definiu o que é
a Criatura de Frankenstein perante a cultura pop, a ponto de o grande público
sequer saber como o demônio concebido por Shelley realmente se parece. Não é de se
estranhar que chamem um ser sem nome de Frankenstein, diga-se de passagem. Como
podemos ver nos exemplos abaixo, até mesmo nos quadrinhos e outras mídias a versão de Boris
Karloff predominou, com Monstros de pele verde e parafusos pelo corpo.
Frankenstein, Agente da S.H.A.D.E., da DC Comics
Frankie, da Turma da Mônica
Creio
que a versão que mais se aproxima da original seja a que nos foi apresentada na
série de televisão Penny Dreadful.
Note, na imagem abaixo, as semelhanças físicas com o que nos foi descrito: os
cabelos lisos e escuros, a pele doente, olhos de cor diferenciada. Ainda assim,
assemelha-se a um humano, mais parecendo uma pessoa deformada do que uma
criação profana em si. Veja também que Caliban, como se denomina a Criatura na
série, segura um livro: no programa ele é um devorador voraz de livros, recita
poesias e é bastante intelectual, sendo a única versão que conheço a
compartilhar tal característica com o original. Até mesmo a questão da
alimentação é semelhante: enquanto a Criatura do livro come plantas e ervas,
repudiando o consumo de carne, o único alimento que vemos a Criatura da série
ingerir é sopa. E não nos esqueçamos também do quanto ele é forte, resistente e
ágil, não possuindo apenas a estatura inigualável.
Caliban ou John Clare, de Penny Dreadful
Com mais
semelhanças do que diferenças, em minha opinião esta foi a melhor adaptação da
Criatura de Frankenstein. Infelizmente, esta é uma história que ainda carece de
um filme ou seriado próprio que a adapte fielmente. Enquanto isso não acontece, podemos
ler e reler Frankenstein, ou o Prometeu
Moderno quantas vezes quisermos. E ver Penny
Dreadful, uma série incrível.
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